Wednesday, June 13, 2007

"Derramava a consciência por detalhes prioritários. Como picada de mosquito foi o lembrar incómodo da banalidade que a todos já sucedeu – “Estou sem bateria; falamos quando chegar.” Suspendi o gesto a meio e da atenção concentrei a entrega. O cocegar da desconfiança empolou-me o espírito como pele que reage ao veneno de insecto. Se não cuidasse de garrote que lhe impedisse o alastrar, ficava arranhado o espírito – reconheço os sinais da tentação de especular, de ir a favor do vento da fantasia, esquecendo o solo firme onde os pés assentam e os factos são.

“Sem bateria”, acrescentara algumas vezes à laia de omissão-mentira, sabendo da minha incompatibilidade entre o ser e o parecer. Em pequena, quando no caminho das mentiras ensaiei os passos, o rubor ou os olhos baixos afadigados em pestanejar tornavam-me transparente. Ao crescer, julguei-me habilitada a tentativas com sucesso – pueril engano!, liquefazia o íntimo e sobrenadava o embuste. Arquivei o balanço dos infelizes ensaios para memória futura e nas crises da verdade limitava-me a omissões. Quando o suporte electrónico do telemóvel deixou de atafulhar o porta-bagagens e o aparelho ficou maneirinho, passei a usá-lo. Viria a coincidir com o novo hábito o mentiroso acrescento ao não-dito – “sem-bateria.” Como pano caído sobre os bastidores dos momentos. Como fuga ao não apetecido. Como mentira descarada. Arranhão doloroso. Infidelidade à boa-fé do outro e ao meu ser."

in http://sempenisneminveja.weblog.com.pt/

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